segunda-feira, 6 de maio de 2013

Justificação e Santificação


1 JUSTIFICAÇÃO

1.1 A justificação nos Documentos Históricos

Confissão de Fé de Wesminster: Cap. XI

Catecismo de Heidelberg: Domingo 23, perguntas 60, 61. Domingo 24, pergunta 62.

1.2 Alguns termos bíblicos para justificação

No Antigo Testamento

O termo vem do Hebraico “hitsdik”, que significa, na maior parte dos casos, que uma pessoa é judicialmente declarada que está em harmonia com as exigências da Lei¹. O sentido do termo é estritamente forense (judicial). Por isso, aqui o ato de justificar não é o de “tornar justo ou reto” (isso denotaria alguma mudança no interior do indivíduo), como defendem os católicos e alguns teólogos liberais.

No Novo Testamento

O verbo “diakaioo” significa, na maior parte dos casos, “declarar que uma pessoa é justa”, significando ainda que o seu caráter moral está em conformidade com a lei². Nas epístolas de Paulo, encontramos o significado forense do verbo, ou seja, justificar é “declarar nos termos forenses que, as exigências da lei, como condição de vida, estão plenamente satisfeitas em relação a uma pessoa³”

Em linhas gerais, JUSTIFICAR é: efetuar uma relação objetiva, estado da justiça, por uma sentença judicial, podendo ser realizado de duas maneiras:

i) Levando a condição subjetiva – ou particular – da pessoa (Tg. 2:21).

ii) Considerar a pessoa justa, apesar de injusta, visando imputar nela a justiça e a retidão de outra pessoa.

1.3 A doutrina da justificação na história

1) Antes da Reforma

Entre os pais da igreja – dentre eles, Santo Agostinho – não havia um entendimento claro da doutrina da justificação, embora eles falassem sobre ela. Uma dessas interpretações era que o batismo tinha o papel regenerador, incluindo o perdão dos pecados.

Essa ausência de entendimento claro fez com que se confundisse justificação com santificação, predominando então na Idade Média. Na tradição escolástica (precedida por Tomás de Aquino) a justificação consistia no perdão dos pecados e na transformação do homem em ser justo ou reto. Além disso, havia a ideia de que a graça infundida no homem o tornava justo e reto, e com base nela, os pecados são perdoados.

Essa ideia contribuiu, ainda na Idade Média, para o surgimento da doutrina dos méritos humanos.
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¹ Ex. 23.7; Dt. 25.1; Pv. 17.5; Is.5.23;
² Mt. 12.37; Lc. 7.29; Rm. 3.4;


Em conexão com a doutrina da justificação, essa ideia afirmava que o homem era, em parte, justificado com base nas suas boas obras (Ver Capítulo XVI, Cânone IX, Cânones e decretos do Concílio de Trento).

2) Após a Reforma

Um dos grandes pilares da Reforma foi a doutrina da justificação. A confusão que havia entre justificação e santificação foi corrigida pelos reformadores, e agora a Justificação possui um caráter Legal (ou forense), no qual Deus perdoa os nossos pecados, e nos aceita como justos perante Ele, sem nos mudar interiormente. O meio pelo qual a justificação ocorre é tão somente mediante a fé gratuita que ele recebe a Cristo, descansando unicamente nele para a salvação. Na visão reformada, a justificação é instantânea, ou seja, não é um evento progressivo .

1.4 Justificação: Natureza e Características

Definição: Ato judicial realizado somente por Deus, no qual, com base na justiça de Cristo, Ele declara que as reivindicações estão completamente satisfeitas com vistas ao pecador.

A justificação é um ato, e não um processo.

A justificação é singular, ou seja, é um ato judicial e não um processo de renovação (a exemplo da regeneração e santificação). Por isso, a justificação não muda a vida interior do pecador, mas o seu estado. A justificação envolve o perdão dos pecados e a restauração do pecador ao favor de Deus.

1.5 A esfera em que ocorre a justificação

Justificação ativa (ou objetiva): Em seu significado mais fundamental, consiste na declaração que Deus faz a respeito do pecador. Não é simplesmente uma declaração de absolvição sem levar em conta as exigências da justiça, mas é uma declaração em que no caso do pecador, as exigências da lei são cumpridas. Uma vez que a justiça de Cristo é imputada no pecador, este é declarado justo. Neste caso, Deus, como um juiz justo que reconhece os infinitos méritos de Cristo, perdoa e aceita o pecador.

Justificação passiva (ou subjetiva): Atua no coração do pecador, e faz o pecador entender que a salvação é totalmente por graça. A justificação vem em seguida à fé4.

1.6 Justificação pela Fé



De acordo com a Escritura, somos justificados “dia pisteos”, “ek pisteos” 5. A preposição dia salienta o fato de que é através da Fé que nos apropriamos de Cristo e sua justiça. Já a proposição ek diz que a fé precede a nossa justificação pessoal, visto que a justificação tem origem na fé.

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4 Rm 3:21-26;
5 Rm. 3.25, 28, 30; Gl. 2.16; Fp. 3.9;
6 Rm. 3.21, 27, 28; 4.3, 4; Gl. 2.16, 21; 3.11


É importante, porém, destacar uma diferença: A fé nunca é apresentada como base da nossa justificação. Se fosse, seria considerada uma obra meritória do homem (justificação pelas obras), na qual o apóstolo Paulo se opõe6 firmemente.

A respeito da justificação, existe algum conflito entre os escritos de Paulo e Tiago?

A resposta é, simplesmente, Não.

Alguns argumentam que a exposição em Tg. 2.14-26 argumenta sobre a justificação pelas obras. Tanto Paulo como Tiago falam da justificação do pecador. Porém, Tiago vai adiante ao afirmar que a fé verdadeira é manifestada em boas obras. Além disso, havia uma diferença entre os adversários que Paulo e Tiago enfrentavam. Enquanto Paulo tentava combater os legalistas que queriam justificar-se em parte perante a lei através das suas obras, Tiago enfrentou o lado oposto (antinomianos), que alegavam que a fé era um consentimento voluntário à verdade (2.19), negando a necessidade de praticarem as boas obras. Dessa forma, Tiago dá ênfase de que a fé sem obras é morta. Podem restar algumas dúvidas ainda (v.24). Neste caso, Tiago não está falando da justificação do pecador (Abraão fora justificado muito antes de oferecer Isaque em sacrifício7), mas de uma justificação posterior de Abraão. Se admitirmos que o v.24 afirma a justificação pelas obras, estaríamos contradizendo o versículo anterior.


1.7 A base da Justificação

Contra o ensino da igreja medieval e do arminianismo da justificação pelas obras, a doutrina reformada defende que a justificação não se concentra em alguma virtude humana. A justificação é fruto da justiça de Cristo e da graça de Deus.

Mesmo que façamos as melhores obras, nós estamos contaminados pelo pecado. Dessa forma, a base da justificação se encontra na perfeita justiça de Cristo, que é imputada ao pecador8.

A obediência passiva de Cristo9, está a base para o perdão dos pecados. Vemos, na sua obediência ativa, vemos a base pela qual ele mereceu todos os dons da graça (vida eterna, adoção de filhos, na qual somos herdeiros da vida eterna).
  

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7Gn. 15
8 Rm. 3.24; 5.9, 19; 1Co 1.30; 6.11; 2Co 5.21; Fp. 3.9;
9 Gl. 3.13

2 SANTIFICAÇÃO

A santificação é um processo contínuo pelo qual Deus, por sua misericórdia, muda os hábitos e o comportamento do crente, levando-o a praticar obras piedosas".

A. Booth, In: Somente pela Graça. São Paulo: PES, 1986, p.44-45.

2.1 O conceito de Santificação nos documentos históricos.

Catecismo Maior de Westminster: Pergunta 75;
Confissão de Fé de Westminster: Capítulo XIII;

2.2 O que é Santificação?

Em termos gerais, a santificação é uma obra salvífica de Deus, iniciada na regeneração, ocorrendo um progressivo abandono do pecado, conformando-os à imagem de Cristo.

A santificação inicia com o novo nascimento. Porém, a nossa imperfeição nos impede que alcancemos a santificação plena nessa vida¹. Nessa caminhada como peregrinos, a presença do pecado ainda existirá em nós. Mesmo após o novo nascimento, ainda pecamos:
(...) A referida perversidade da nossa natureza nunca cessa em nós, mas constantemente (Rm 7.7-25) e produz em nós novos frutos, quais sejam, as obras da carne acima descritas como uma fornalha acesa sempre a lançar labaredas e fagulhas, ou como um manancial de águas correntes continuamente vertendo sua água. Porque a concupiscência nunca morre nem é extinta por completo nos homens, até quando, livres da morte pela morte do corpo, sejam inteiramente despojados de si mesmos. É certo que o Batismo nos garante que o nosso faraó foi afogado e que a nossa carne está mortificada. Todavia, não ao ponto de que o nosso inimigo não mais exista e que já não nos incomode, mas somente no sentido de que já não nos pode vencer. Porque, enquanto vivermos encerrados na prisão que o nosso corpo é, os restos e as relíquias do pecado habitarão em nós. Mas, se pela fé retivermos a promessa que Deus nos fez no Batismo, essas forças adversas não nos dominarão e não reinarão em nós”. (CALVINO, J. As Institutas da Religião Cristã, Vol. 3).

A santificação é um aprendizado, mediante o guiar do Espírito Santo. O novo convertido adquire novos hábitos pela prática da verdade em amor². Todavia, nessa vida sempre seremos pecadores. Somos renovados, perdoados, justificados, regenerados, mas, ainda assim, permaneceremos pecadores até o último instante³. Entretanto, não há nenhuma carência, nenhuma necessidade em nós que não possa ser suprimida por Cristo. A santificação é uma “alfabetização” espiritual, na qual o crente é guiado pela Palavra de Deus4.
Uma criança recém-nascida é, salvo exceções, perfeita em suas partes, mas não está no grau de desenvolvimento ao qual foi destinada. Justamente assim, o novo homem é perfeito em suas partes, mas, na presente vida, continua imperfeito no grau de desenvolvimento espiritual (BERKHOF, L. Teologia Sistemática. 1990, p.541).

A santificação envolve uma luta diária contra o pecado em nossa vida. Encontramos na Bíblia várias referências figurativas a esse combate, garantindo-nos a vitória que temos em Cristo. O escritor de Hebreus toma o sofrimento de Cristo5 como um exemplo e estímulo para a igreja.
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¹ Fp. 3.12-14
² Ef. 4.15
³ Pv. 29.9; Ec.7.20; Rm. 6.20; 7.13-25; Tg. 3.2; 1Jo. 1.8.
4 1Jo. 1.10; 2.1;
    
Como um processo em andamento, a santificação é progressiva, desenvolvendo-se sempre6, e nesse combate diário do pecado surge a ideia (individual) de degraus de santidade. Mas, ATENÇÃO:

i) Isso não significa dizer que existem pessoas que são mais regeneradas, mais justificadas ou perdoadas do que outras. Regeneração, justificação e perdão são obras que ocorrem uma única vez, apenas e completamente em Cristo.

ii) Não significa dizer também que há na igreja pessoas melhores que outras. Diante de Deus, estamos no mesmo degrau: o de pecadores miseráveis e totalmente dependentes da graça de Deus.

iii) Mas significa que ela não ocorre de maneira igual em todos os crentes, avançando sempre para a perfeição.

iv) Por mais que nossa santidade seja elevada, ela será sempre inadequada diante do escrutínio santo de Deus. É por isso que a nossa confiança não deve se apoiar em nossa bondade ou obras, ou um ‘nível’ espiritual7.

2.3 Santificação e justificação: Quais são as diferenças?

JUSTIFICAÇÃO
SANTIFICAÇÃO
É uma obra de Deus (Rm. 4.3; 5.1,9; Gl. 2.16; 3.11), instantânea e totalmente baseada no sacrifício de Jesus na Cruz (1Pe. 2.24).
É uma obra de Deus (At. 11.18; Ez. 36.27; Ef. 2.10)
Não há obra humana que proporcione a justificação, sendo recebida somente por fé (Ef. 2:8-9; Rm. 5.1).
Envolve o trabalho do salvo, porém, é Deus quem trabalha no salvo (Fp. 2.13)
É Instantânea
É processual (Gl. 5.22, 23)
Ocorrem ao mesmo tempo
O pecador é considerado justo (ou declarado justo).
O pecador é feito justo
Faz referência à pessoa do crente
Faz referência à natureza do crente
Nos dá acesso ao céu
Nos prepara para o céu
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5 Hb.12.4;
6 Fp. 2.12b-13; 1Ts 4.1,10; 1Pe. 2.2; 2Pe. 3.18; Rm. 8.29-30; Gl. 4.19; Hb12.4-14;
7 Ef. 2.9;

2.4 Notas
Extraído de: Justificação – Estudo Intensivo. Louis Berkhof.
Santificação: Completa ou processual?