Por vários séculos, os árabes haviam permitido, salvo em breves intervalos, as peregrinações cristãs a Jerusalém, e estas haviam crescido continuamente. Todavia, a situação mudou quando os turcos seljúcidas, a partir de 1071, conquistaram boa parte da Ásia Menor e em 1079 a cidade de Jerusalém, fazendo cessar as peregrinações. Com isso surgiu na Europa um clamor pela libertação da Terra Santa das mãos dos "infiéis".
A primeira cruzada foi pregada pelo papa Urbano II, em Clermont, na França, em 1095, sob o lema "Deus vult" (Deus o quer). Depois de uma horrível carnificina contra os habitantes muçulmanos, judeus e cristãos de Jerusalém, os cruzados implantaram naquela cidade e região um reino cristão que não chegou a durar um século (1099-1187). A quarta cruzada foi particularmente desastrosa em seus efeitos, porque se voltou contra a grande e antiga cidade cristã de Constantinopla, que foi brutalmente saqueada em 1204. A oitava cruzada encerrou essa série de campanhas militares que trouxe alguns benefícios, como o maior intercâmbio entre o Oriente e o Ocidente e a introdução de inventos e novas idéias na Europa, mas teve efeitos adversos ainda mais profundos, aumentando o fosso entre as Igrejas latina e grega e gerando enorme ressentimento dos muçulmanos contra o Ocidente cristão, ressentimento esse que persiste até os nossos dias.
3. A Reconquista
É verdade que alguns cristãos daquele período tiveram uma atitude mais construtiva em relação aos islamitas, procurando ir ao seu encontro com o evangelho e não com a espada. Tal foi o caso de alguns dos primeiros membros das novas ordens religiosas surgidas no início do século XIII, os franciscanos e os dominicanos. O mais célebre missionário aos muçulmanos foi o franciscano Raimundo Lull (c.1232-1315), de Palma de Majorca, que fez diversas viagens a Túnis e à Argélia. Todavia, o espírito predominante do período foi o de beligerância não só contra os muçulmanos, mas mesmo contra grupos cristãos dissidentes, como foi o caso dos cátaros ou albigenses, no sul da França, aniquilados por uma cruzada entre 1209 e 1229. Também data dessa época o estabelecimento da temida Inquisição. Na Espanha, a Reconquista tomou ímpeto no século XIII e a partir de 1248 os mouros somente controlaram o Reino de Granada. Nos séculos XII e XIII, nesse contexto de luta contra os mouros, houve o surgimento de Portugal como um reino independente.
O Reino de Granada foi finalmente conquistado pelos reis católicos Fernando e Isabel em 1492, o mesmo ano do descobrimento da América. Após um período inicial de tolerância, foi lançada contra os mouros uma campanha de terror visando forçar a sua conversão e finalmente, em 1502, todos os muçulmanos acima de catorze anos que não aceitaram o batismo foram expulsos, assim como havia acontecido com os judeus dez anos antes. Sob a liderança de Tomás de Torquemada, a Inquisição espanhola, organizada em 1478, voltou-se de maneira especial contra os mouriscos e os marranos (muçulmanos e judeus convertidos ao cristianismo) acusados de conversão insincera.
Ao mesmo tempo em que o islamismo sofria essas pesadas perdas na Península Ibérica, obtinha estrondosos sucessos no Oriente Médio e na Europa oriental. Um novo poder islâmico, os turcos otomanos vindos da Ásia Central, depois de se estabelecerem firmemente na Ásia Menor, invadiram em 1354 a parte européia do Império Bizantino, gradualmente estendendo o seu domínio sobre os Bálcãs, em regiões que estiveram há alguns anos nos noticiários (Sérvia, Bósnia-Herzegovina, Albânia). Em 1453, eles tomaram Constantinopla (hoje Istambul), selando o fim do antigo Império Romano Oriental e impondo novas e pesadas perdas à Igreja Ortodoxa. Nos séculos XVI e XVII, os exércitos turcos haveriam de cercar por duas vezes Viena, a capital da Áustria (1529 e 1683).
4. Os dois últimos séculos
Um período especialmente humilhante para os muçulmanos diante do Ocidente cristão foi o colonialismo dos séculos XIX e XX, em que virtualmente todas as regiões islâmicas do Oriente Médio e do norte da África ficaram sob o domínio de países europeus como a França, a Inglaterra, a Itália e a Espanha. Até o início do século XIX, aquelas regiões tinham sido parte do vasto Império Otomano, com sua capital em Istambul. Com o colonialismo chegaram os missionários, tanto católicos como protestantes, com suas igrejas, escolas e hospitais. Após a Primeira Guerra Mundial, à medida que as novas nações árabes foram alcançando a sua independência, houve o crescimento do sentimento nacionalista e a reafirmação dos valores islâmicos. Ao mesmo tempo, o islamismo há muito havia ultrapassado os limites do mundo árabe, tendo alcançado, além dos persas e dos turcos, muitos outros povos na África e na Ásia, chegando até a Indonésia, hoje a maior de todas as nações muçulmanas, com mais de 100 milhões de habitantes. Em muitas dessas nações, árabes ou não, a presença de populações cristãs tem produzido graves conflitos entre os dois grupos, como tem ocorrido muitas vezes na Indonésia. Um acontecimento pouco divulgado foi o pavoroso genocídio promovido pelos turcos contra os armênios cristãos no início do século XX.
Outro evento que acabou por gerar nova animosidade entre os países muçulmanos e o Ocidente cristão foi a criação do Estado de Israel, em 1948, e a percepção de que o Ocidente, principalmente os Estados Unidos, apóia incondicionalmente o Estado Judeu em sua luta contra os palestinos e outros povos árabes. Dois novos ingredientes nessa luta foram o súbito enriquecimento de algumas nações árabes com a exploração do petróleo e o surgimento do fundamentalismo militante entre os xiitas, uma antiga facção islâmica minoritária ao lado da maioria sunita. A militância islâmica tem gerado várias revoluções e o surgimento de regimes islâmicos, como aconteceu há alguns anos no Irã. Além do apoio dos Estados Unidos a Israel, os fundamentalistas se ressentem da presença de tropas americanas na Arábia Saudita, o berço do islã, e da influência cultural do Ocidente nos seus respectivos países, vista como danosa para a sua fé e seus valores tradicionais.
Neste início do século 21, o islamismo representa o maior desafio para o cristianismo, em diversos sentidos. A invasão do Iraque e a enorme violência fratricida dela resultante têm sido muito negativas para a imagem do cristianismo junto aos muçulmanos. Ao contrário do que foi propalado no início da ocupação, as ações do presidente George W. Bush com o respaldo de muitos cristãos americanos não têm sido benéficas para a causa do evangelho no mundo islâmico. A situação dos cristãos que vivem em países muçulmanos também se agravou muito nos últimos anos. Como um dos "povos do livro" (expressão aplicada aos judeus e cristãos, visto serem mencionados no Corão), os cristãos precisam reconhecer os muitos erros cometidos contra os muçulmanos ao longo da história e renovar a sua determinação de contribuir para o bem-estar político, social e espiritual dos herdeiros de Maomé.
A primeira cruzada foi pregada pelo papa Urbano II, em Clermont, na França, em 1095, sob o lema "Deus vult" (Deus o quer). Depois de uma horrível carnificina contra os habitantes muçulmanos, judeus e cristãos de Jerusalém, os cruzados implantaram naquela cidade e região um reino cristão que não chegou a durar um século (1099-1187). A quarta cruzada foi particularmente desastrosa em seus efeitos, porque se voltou contra a grande e antiga cidade cristã de Constantinopla, que foi brutalmente saqueada em 1204. A oitava cruzada encerrou essa série de campanhas militares que trouxe alguns benefícios, como o maior intercâmbio entre o Oriente e o Ocidente e a introdução de inventos e novas idéias na Europa, mas teve efeitos adversos ainda mais profundos, aumentando o fosso entre as Igrejas latina e grega e gerando enorme ressentimento dos muçulmanos contra o Ocidente cristão, ressentimento esse que persiste até os nossos dias.
3. A Reconquista
É verdade que alguns cristãos daquele período tiveram uma atitude mais construtiva em relação aos islamitas, procurando ir ao seu encontro com o evangelho e não com a espada. Tal foi o caso de alguns dos primeiros membros das novas ordens religiosas surgidas no início do século XIII, os franciscanos e os dominicanos. O mais célebre missionário aos muçulmanos foi o franciscano Raimundo Lull (c.1232-1315), de Palma de Majorca, que fez diversas viagens a Túnis e à Argélia. Todavia, o espírito predominante do período foi o de beligerância não só contra os muçulmanos, mas mesmo contra grupos cristãos dissidentes, como foi o caso dos cátaros ou albigenses, no sul da França, aniquilados por uma cruzada entre 1209 e 1229. Também data dessa época o estabelecimento da temida Inquisição. Na Espanha, a Reconquista tomou ímpeto no século XIII e a partir de 1248 os mouros somente controlaram o Reino de Granada. Nos séculos XII e XIII, nesse contexto de luta contra os mouros, houve o surgimento de Portugal como um reino independente.
O Reino de Granada foi finalmente conquistado pelos reis católicos Fernando e Isabel em 1492, o mesmo ano do descobrimento da América. Após um período inicial de tolerância, foi lançada contra os mouros uma campanha de terror visando forçar a sua conversão e finalmente, em 1502, todos os muçulmanos acima de catorze anos que não aceitaram o batismo foram expulsos, assim como havia acontecido com os judeus dez anos antes. Sob a liderança de Tomás de Torquemada, a Inquisição espanhola, organizada em 1478, voltou-se de maneira especial contra os mouriscos e os marranos (muçulmanos e judeus convertidos ao cristianismo) acusados de conversão insincera.
Ao mesmo tempo em que o islamismo sofria essas pesadas perdas na Península Ibérica, obtinha estrondosos sucessos no Oriente Médio e na Europa oriental. Um novo poder islâmico, os turcos otomanos vindos da Ásia Central, depois de se estabelecerem firmemente na Ásia Menor, invadiram em 1354 a parte européia do Império Bizantino, gradualmente estendendo o seu domínio sobre os Bálcãs, em regiões que estiveram há alguns anos nos noticiários (Sérvia, Bósnia-Herzegovina, Albânia). Em 1453, eles tomaram Constantinopla (hoje Istambul), selando o fim do antigo Império Romano Oriental e impondo novas e pesadas perdas à Igreja Ortodoxa. Nos séculos XVI e XVII, os exércitos turcos haveriam de cercar por duas vezes Viena, a capital da Áustria (1529 e 1683).
4. Os dois últimos séculos
Um período especialmente humilhante para os muçulmanos diante do Ocidente cristão foi o colonialismo dos séculos XIX e XX, em que virtualmente todas as regiões islâmicas do Oriente Médio e do norte da África ficaram sob o domínio de países europeus como a França, a Inglaterra, a Itália e a Espanha. Até o início do século XIX, aquelas regiões tinham sido parte do vasto Império Otomano, com sua capital em Istambul. Com o colonialismo chegaram os missionários, tanto católicos como protestantes, com suas igrejas, escolas e hospitais. Após a Primeira Guerra Mundial, à medida que as novas nações árabes foram alcançando a sua independência, houve o crescimento do sentimento nacionalista e a reafirmação dos valores islâmicos. Ao mesmo tempo, o islamismo há muito havia ultrapassado os limites do mundo árabe, tendo alcançado, além dos persas e dos turcos, muitos outros povos na África e na Ásia, chegando até a Indonésia, hoje a maior de todas as nações muçulmanas, com mais de 100 milhões de habitantes. Em muitas dessas nações, árabes ou não, a presença de populações cristãs tem produzido graves conflitos entre os dois grupos, como tem ocorrido muitas vezes na Indonésia. Um acontecimento pouco divulgado foi o pavoroso genocídio promovido pelos turcos contra os armênios cristãos no início do século XX.
Outro evento que acabou por gerar nova animosidade entre os países muçulmanos e o Ocidente cristão foi a criação do Estado de Israel, em 1948, e a percepção de que o Ocidente, principalmente os Estados Unidos, apóia incondicionalmente o Estado Judeu em sua luta contra os palestinos e outros povos árabes. Dois novos ingredientes nessa luta foram o súbito enriquecimento de algumas nações árabes com a exploração do petróleo e o surgimento do fundamentalismo militante entre os xiitas, uma antiga facção islâmica minoritária ao lado da maioria sunita. A militância islâmica tem gerado várias revoluções e o surgimento de regimes islâmicos, como aconteceu há alguns anos no Irã. Além do apoio dos Estados Unidos a Israel, os fundamentalistas se ressentem da presença de tropas americanas na Arábia Saudita, o berço do islã, e da influência cultural do Ocidente nos seus respectivos países, vista como danosa para a sua fé e seus valores tradicionais.
Neste início do século 21, o islamismo representa o maior desafio para o cristianismo, em diversos sentidos. A invasão do Iraque e a enorme violência fratricida dela resultante têm sido muito negativas para a imagem do cristianismo junto aos muçulmanos. Ao contrário do que foi propalado no início da ocupação, as ações do presidente George W. Bush com o respaldo de muitos cristãos americanos não têm sido benéficas para a causa do evangelho no mundo islâmico. A situação dos cristãos que vivem em países muçulmanos também se agravou muito nos últimos anos. Como um dos "povos do livro" (expressão aplicada aos judeus e cristãos, visto serem mencionados no Corão), os cristãos precisam reconhecer os muitos erros cometidos contra os muçulmanos ao longo da história e renovar a sua determinação de contribuir para o bem-estar político, social e espiritual dos herdeiros de Maomé.
continua...