No dia 31 de outubro de 1517 o mundo se apavorou quando um simples monge agostiniano, chamado Martinho Lutero, fixou na porta da Catedral de Wittenberg 95 teses que atacavam de modo feroz a realidade então vigente, que se caracterizava por uma corrupção geral da Igreja, manifestada de uma forma gritante e bárbara. Ouvia-se comumente falar em vendas de objetos sagrados, assim como em vendas de cargos eclesiásticos. Desse modo, por sua própria superstição, o cidadão entendia que era abençoado se adquirisse um pedacinho da cruz de Cristo ou um fragmento de osso, vendido a ele como se fosse de um santo. Da mesma maneira, nobres que nunca tiveram nenhum interesse religioso poderiam ser transformados em Padres e teriam assim um título de prestígio e poder para aquela época.
O indivíduo comum poderia ainda comprar a sua própria salvação com dinheiro e precisaria do clero para fazer a mediação entre ele e Deus. O papa não tinha apenas o poder de instituir doutrinas, como poderia a seu bel prazer tirar uma alma do purgatório e dar a ela o descanso que precisava. Para isso, bastava que o solicitante tivesse fé suficiente para fazer uma doação básica de um belo terreno para a Instituição. Imagens foram inseridas no culto, assim como a mariolatria foi também legitimada. Aliás, os cultos foram transformados em Missas e as orações, em rezas. Tudo era mecanizado. O povo tinha de ouvir todo o cerimonial em latim e a ele era vedado o direito de ler a Bíblia por si mesmo.
Os pecados dos fiéis poderiam ser perdoados na observância de certas penitências e milhões de analfabetos eram facilmente manipulados por uma minoria clerical. Criou-se novos sacramentos além daqueles estabelecidos pelo Senhor Jesus (Batismo e Ceia) e, em uma reação posterior aos ideais da Reforma, mais sete livros não inspirados foram acoplados no Cânon Sagrado com interesses espúrios. Acordos foram firmados com dominadores imperiais e não era difícil que chefes políticos fossem também transformados em mandatários da religião.
A Igreja intervia em toda a vida social e da pior maneira possível, já que barrava o progresso científico e reagia com violência a quem se opusesse a suas idéias, mesmo que isso não significasse uma oposição direta à Palavra de Deus. Com isso, aquilo que era objeto de estudo no âmbito da Revelação Geral não era valorizado e as conseqüências podem ser sentidas hoje através da forma repugnante com que muitos enxergam a religião.
Muitos outros abusos foram cometidos, mas creio que estes destacados são suficientes para vermos o quanto a Reforma foi necessária nos dias de Lutero. Sua reação corajosa fez explodir a insatisfação que muitos já vinham nutrindo e criou no cenário mundial uma nova realidade pela proposta de um retorno às Escrituras e da idéia bíblica central de que “O justo viverá por sua fé”. Propagou-se então princípios bíblicos que destacavam a salvação pela fé, o sacerdócio universal de todos os crentes, o direito à liberdade de pensamento e de consciência. Verificou-se a beleza da simplicidade do culto e da suficiência de Cristo e, com isso, a graça divina ficava em evidência diante da incapacidade humana. A glória de Deus foi colocada novamente como o grande alvo de cada ser humano e isto era levado a todas as esferas da vida. A partir daí, o mundo nunca mais seria o mesmo. Homens foram sendo levantados por Deus para dar continuidade ao que Lutero e outros que o antecederam começaram e damos aqui um destaque especial a João Calvino, grande sistematizador da Teologia Reformada.
O tempo passou e estamos prestes a completar 492 anos em que este movimento eclodiu pela graça do Senhor. Mas hoje estamos de novo vivendo circunstâncias muito críticas. Princípios pelos quais muitos deram a própria vida estão sendo jogados na lata do lixo em muitos lugares. A suficiência de Cristo está sendo trocada por conceitos psicológicos e a simplicidade do culto tem sido sufocada pelas invencionices dos adoradores, que tem até mesmo assumido honrarias que deveriam ser dadas tão somente Àquele que merece toda a nossa adoração. A superstição tem invadido outros lugares e as indulgências dos tempos modernos podem ser adquiridas na forma de rosas ungidas, toalhinhas abençoadas, amuletos diversos e líquidos sagrados.
Muitos líderes se tornam inquestionáveis e até arrogam o título de apóstolos. Outros se tornam pastores sem o menor preparo bíblico e intelectual. Os crentes simplesmente esqueceram do privilégio de examinar individualmente a Bíblia. A exposição fiel das Escrituras está sendo abandonada e desvalorizada. A satisfação imediatista do ego e os interesses pessoais são buscados incessantemente em detrimento da glória do Senhor. Os tempos são difíceis, mas rogamos a Deus que este dia nos seja inspirador, assim como a firme atitude dos reformadores. “Oh, Senhor, nos ajude a combater em prol da tua Verdade e transforma os nossos corações segundo a tua vontade!”. Soli deo Glória
(Rev. Guilherme Rafael Rios Alcântara.)